Argumentos sobre a Pena do Artigo 273, §1º, do Código Penal

17/04/2024

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da pena quando se trata de produtos "sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente", mantendo a redação originária de reclusão de 1 a 3 anos.

A pena para quem "importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado." era de reclusão de 10 a 15 anos, e multa. 

A Tese fixada no Tema 1.003, inicialmente, concluiu que caberia a repristinação somente para a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária.

Entretanto, estendeu a decisão para os demais verbos do artigo 273, §1º, do CP, em embargos de declaração.

Tese final:

É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas situações específicas, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.

O Ministro Luís Roberto Barroso ressaltou a vedação constitucional e internacional à adoção de penas cruéis e desproporcionais e analisou a questão com fundamento nos princípios da igualdade, individualização da pena e da proporcionalidade:

Compare-se o delito do art. 273, § 1º-B, I, com o crime de tráfico de drogas, também previsto como um delito contra a saúde pública. A pena do tráfico de drogas vai de 5 a 15 anos de prisão. Além disso, a Lei de drogas prevê uma causa de diminuição de pena de 1/6 a 2/3 para pequenos traficantes (art. 33, § 4º), de modo que a sua pena inicial poderá partir de 1 anos e 8 meses de prisão, com possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade.

Ainda:

Na comparação com tipos penais protetores de outros bens jurídicos, a desproporcionalidade torna-se ainda mais evidente. A pena mínima da comercialização de medicamentos sem registro é maior do que a prevista para o estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), para a extorsão mediante sequestro (CP, art. 159) e para a tortura seguida de morte (Lei nº 9.455/1997, art. 1º, § 3º).

Mesmo assim, permaneceram com pena excessiva os demais incisos do artigo 273, § 1º-B, do CP:

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; ((Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
V - de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)

Antes do julgamento do Tema 1003 alguns Tribunais Estaduais decidiam pela aplicação, por analogia, do art. 334-A do Código Penal; do art. 28 da Lei nº 11.343/2006; do princípio da insignificância; ou do artigo 33 da Lei 11.343/2006:

Embora em tese o apenado tenha razão quanto a inconstitucionalidade do inciso I do § 1º-B do art. 273 do CP, na hipótese, como bem decidiu o juízo de execução de Laguna, o juízo sentenciante, forte no princípio da proporcionalidade e ao entendimento jurisprudencial aplicado à época da prolação da sentença, fixou o importe de 5 anos ao apenado, ou seja, a pena aplicada ao tráfico de drogas, pela prática do art. 273, §1°e §1°-B, incisos I e V, do Código Penal, de forma unificada.
Assim, levando em conta que o agravante foi condenado também pelo crime previsto no §1°-B, inciso V, do artigo 273 do CP, que não foi declarado inconstitucional, verifica-se que a pena aplicada lhe foi benéfica (5anos), pois conforme bem ressaltou o ilustre Procurador de Justiça " [...] a pena deveria ter sido fixada em 10 anos (sabe-se que, ao considerar crime único, adota-se a pena do maior delito), beneficiando o réu, portanto". (Agravo de Execução Penal Nº 8000040-97.2024.8.24.0020/SC)

Com isso, reconheciam, a depender dos requisitos, a causa de diminuição de pena prevista no §4º do artigo 33 da Lei de Drogas.

Essa posição estava sendo analisada no RE 979962, pelo STF, quando se discutia a constitucionalidade do artigo 273, §1°- B, inciso I.

Ementa do Leading Case:

Direito constitucional e penal. Recurso extraordinário. Importação de medicamentos sem registro sanitário. Exame de proporcionalidade da pena. Presença de repercussão geral. 1. A decisão recorrida declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, cuja pena cominada é 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão, para aqueles que importam medicamento sem registro na ANVISA (art. 273, § 1º-B, do CP). 2. O Tribunal de origem afirmou que viola o princípio da proporcionalidade a cominação de pena elevada e idêntica para uma conduta completamente diversa daquela praticada por quem falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, do CP). Em razão disso, indicou que a conduta do § 1º-B, I, do art. 273, do Código Penal, deve ser sancionada com base no preceito secundário do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. 3. Constituem questões constitucionais relevantes definir (i) se a cominação da pena em abstrato prevista para importação de medicamento sem registro, tipificada no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, viola os princípios da proporcionalidade e da ofensividade; e (ii) se é possível utilizar preceito secundário de outro tipo penal para fixação da pena pela importação de medicamento sem registro.

Com a decisão final no tema 1003, declarando a inconstitucionalidade em relação ao inciso I, ficou claro que a pena considerada excessiva ainda seria aplicada aos demais incisos, ensejando interpretações diversas.

A decisão mais recente do Superior Tribunal de Justiça (março/2024), no AgRg no Habeas Corpus nº 750531 – SP decidiu estender a repristinação:

PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO NO ART. 273, § 1º-B, INCISO, VI, DO CÓDIGO PENAL. DETERMINAÇÃO DE SE PROCEDA A NOVA DOSIMETRIA, NOS LIMITES PREVISTOS NA REDAÇÃO ORIGINÁRIA DO ART. 273, DO CÓDIGO PENAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Mantida a declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 27 3, § 1-B, I do Código Penal pela Suprema Corte, esta Corte tem reconhecido a inconstitucionalidade da pena de 10 a 15 anos também para as condutas tipificadas nos demais incisos. Precedente. 2. Agravo desprovido. (AgRg no HC n. 750.531/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 13/3/2024.)

O STJ estendeu a declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1-B, I do Código Penal aos demais incisos.

A defesa tem argumentos suficientes para busca da aplicação de uma pena justa ao caso concreto. 

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